Ele tentava entender a utilidade das palavras. Pensava na importância
dos filmes mentais e se deu conta de que preferia fabricar seus próprios
filmes. Todos em sua cabeça. Se uma música ou um livro, imediatamente, cinema. Com
o frio, passou a passar as tardes escutando a Sonata ao luar. Em Beethoven,
gostava dos pianos mais melancólicos. Gostava de dizer que gostava de Beethoven.
Gostava de ainda se lembrar do seu ano de nascimento e do seu ano de morte. Pensou
nos cinquenta e sete anos e nas quantas vidas cabem em cinquenta e sete anos. Se
perguntou se estava fazendo coisas significativas, se essas coisas pareciam
realmente relevantes. Na volta para casa, não teve vontade de comprar nada do
que viu nas vitrines. Entrou na loja de produtos naturais e comprou mais um
pote de spirulina em cápsulas. Também comprou gengibre. Lembrou da abóbora que
estava em casa, cogitou uma sopa, se deu conta de que não tinha pimenta. Pagou,
atravessou a Borges, seguiu pela Demétrio.
Há dias em que sente vontade de caminhar como se nada fosse.
Como se não estivesse sendo. Pensou nos becos sem saída e decidiu voltar a
escrever um blogue.